Yuri ou GL — Qual termo usar?

Alice Coelho
5 min readOct 10, 2021

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Asagao to Kase-san (2018)

Esse texto é só uma versão expandida da thread que postei no começo de setembro.

“Longo pra caramba, nem li”: ambos os termos valem e são utilizados por fãs e editoras tanto do Japão como de outros países.

Em relação a termos relacionados a mangás e outras mídias, há agora uma grande discussão pela internet sobre quais são os termos mais corretos, ou seja os que são utilizados pelas editoras e fãs japoneses atualmente.

Quando se trata de Yuri, vejo que muita gente traçou um paralelo com o Yaoi/BL por se tratarem de “gêneros irmãos”, certa forma, assumindo que “Yuri”, assim como “Yaoi”, se tratava de um termo ultrapassado, e que o correto seria utilizar “GL” ou “Girls Love”, assim como “BL” ou “Boys Love”. Eu entendo que essa é só uma confusão que ocorre só nas melhores intenções, mas como alguém que gosta de estudar a história dos mangás, animes e cultura otaku num geral, sempre gosto de compartilhar o que aprendo com o máximo de pessoas possível.

Apesar de terem surgido na mesma época, o BL e o Yuri têm histórias e “funcionamentos” completamente diferentes, e por isso nem sempre dá para fazer um paralelo do tipo e achar que o que vale para um também vale para o outro.

Falando sobre Lírios

Coluna Yurizoku no Heya em uma edição da Barazoku de 1976

Yuri (百合) significa literalmente lírio, tanto é que a flor é sempre aparece em animes/mangá por aí perto de um casal ou de alguma garota em específico , e também não é raro ver personagens lésbicas com nomes como Yuriko, Yurika, Lily, etc.

O termo se originou nos anos 70 na famosa revista gay Barazoku, que possuía uma coluna especial para lésbicas chamada Yurizoku no Heya (百合族の部屋 — Algo como “Quarto da Tribo dos Lírios). O nome está relacionado ao próprio nome da revista Barazoku (薔薇族 — Tribo das Rosas), pois na época, rosas eram associadas a homens gays. Depois que essa coluna passou a ser publicada, o lírio passou a ser associado com mulheres que se relacionavam com mulheres.

GL, ou Girls Love, parece ser um termo relativamente recente, não consegui achar nenhuma história exata dele, se ele se originou no Japão ou no exterior. De qualquer forma, é um termo usado tanto por fãs como por editoras de todo o mundo, não apenas no Japão. Portanto, tanto ele, quanto Yuri estão “corretos”, por assim dizer.

Agora sobre o termo Shoujo-ai: esse termo foi criado entre os fãs ocidentais, provavelmente como o oposto de Shounen-ai, mas no Japão ambos os termos têm significados completamente diferentes e que não têm nada a ver com os animes e mangás. Shounen-ai significa pederastia, enquanto Shoujo-ai significa atração por garotas bem novas (…é).

Um pouco da história do Yuri

Shiroi Heya no Futari (1971)

O Yuri surgiu dentro dos mangás durante os anos 70, em obras como os mangás shoujo Shiroi Heya no Futari (1971) de Yamagishi Ryouko e Maya no Souretsu (1972) de Ichijo Yukari. Entretanto, muita gente marca o início do Yuri nos anos 1920, quando Yoshiya Nobuko começou a publicar diversos contos em revistas para garotas. Muitos desses contos se passavam em colégios femininos, narrando a vida e sentimentos das garotas, provavelmente inspirados pelas próximas experiências que a autora teve durante a adolescência. Nobuko era lésbica, e viveu os últimos 50 anos de sua vida com outra mulher, Monma Chiyo. Suas obras foram uma fonte de inspiração para diversos autores de mangá shoujo, tendo eles esse elemento do romance entre garotas ou não.

O termo Yuri só passou a ser utilizado para falar de mangás por volta do final dos anos 80, quando as feiras de doujinshi (fanzines, obras publicadas de maneira independente) se tornaram populares. Muitos autores de doujinshi passaram a utilizar o termo Yuri para marcar obras que mostravam alguma relação sexual e/ou amorosa entre mulheres. O termo se popularizou, e em 2003 surgiu a primeira revista voltada totalmente para a publicação de mangás yuri: Yuri Shimai

Sobre revistas e publicações

Capa da primeira edição da Yuri Shimai (2003)

Sabemos que com o BL, funciona de forma simples: se o mangá foi publicado em uma revista “com o selo” BL, é um mangá BL, se não foi, não é. Entretanto, com Yuri, não é tão simples assim.

O número de revistas voltada exclusivamente para Yuri é minúsculo comparado com a quantidade de revistas BL que existem. Se não me engano, atualmente só há uma única revista Yuri em publicação, a Comic Yuri Hime.

Pessoalmente, acredito que isso tem a ver com a história de cada um. Como falei, a primeira revista Yuri surgiu em 2003, enquanto a primeira revista BL surgiu lá pelo final dos anos 70. Com décadas de diferença, é óbvio que os dois não acabariam funcionando da mesma forma. Enquanto o BL se concentrou nas revistas específicas voltadas para um público específico logo cedo, os mangás Yuri continuaram sendo publicados junto com todos os outros mangás, e é por isso que hoje vemos que o Yuri está “infiltrado” em todas as demografias.

Seja shoujo, shounen, josei ou seinen, há diversos mangás yuri sendo publicados em todo tipo de revista, e não só nas revistas exclusivas do gênero.

Então como saber se um mangá é Yuri ou não?

Oniisama e… (1974), Love My Life (2000), Yagate Kimi ni Naru (2015), Sasameki Koto (2007)

Sem poder usar algo como a categoria da revista como base, a definição de Yuri é um pouco abstrata. Em geral, obras Yuri são obras focadas na relação entre garotas, e por essa definição, podemos incluir desde mangás focados na amizade, até aqueles que contém relações sexuais explícitas.

No fim das contas, não há uma regra exata, cada um pode ter sua própria definição de Yuri. É isto.

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Alice Coelho

Tradutora, otaca, formada em administração, apreciadora de bishounens e sorvete de chocomenta.